sexta-feira, 30 de março de 2012

Vesânia Sentimental (sketch)

A multidão é um monstro sem rosto e coração. Você é parte dela. Você tem medo dela. Você quer amor, acha ódio. A gente se odeia e faz sentido viver assim.

Procura novos amigos, só acha os velhos. Jack D., Johnnie W., Stella A., Jack M. e o Velho Barreiro. Procura amor, só tem amor próprio. Amor próprio agora é suicídio. Suicídio não é opção. Mas quem se importa, ninguém nunca se importou.

Olha as fotos dela nos porta-retratos vazios. Não tinha fotos, pois assim poderia imaginar qualquer momento de sua miserável vida neles. Sabia que não voltaria, ainda assim, punha mesa para dois, mesmo estando sozinho. Quem sabe você não resolve aparecer. A porta está aberta para você, como já deve saber. Eu vejo suas fotos, está tão melhor sem mim que eu fico feliz em te ver assim. De nós dois não restaram ninguém.

Enquanto faço isso, vou te apagando aos poucos, te subtraindo ao nada. Porque eu não sei falar do ser amado, eu só sei fazê-lo divindade. Botei você num pedestal. E só quando não a possuía mais percebi que era imperfeita, assim como eu, e então, percebi que era humana, em todos os sentidos da palavra.

Via seu rosto na multidão, ouvia sua voz quando sussurrava. Era amor, e não era platônico, como os outros. Invadia cada lugar que eu ia. Sentia seu cheiro na minha roupa, e era só o amaciante, o perfume. Estava no bar, no taxi e nas esquinas, durante o dia, durante a noite. Encontrava drogados, bêbados, ladrões, prostitutas, jovens, mendigos e homens falidos. Eu via todos, e você tinha um pouco de cada. É isso que a cidade te oferece. É isso o que você tem a oferecer.

Já amou? Quando digo amar, que não seja seus familiares nem seus amigos ou seu dinheiro. Já sentiu-se só? Pensou em suicídio alguma vez? Ou parou para conversar com seus parentes e amigos sobre esses assuntos?

terça-feira, 27 de março de 2012

Ônibus

Como alguns sabem, estou fazendo universidade, e como parte do curso, farei alguns textos, e os publicarei aqui. Já fiz isso, com o "Números Obsoletos", agora, mais um.

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Terça-feira, 19h, aparece o ônibus. O único vermelho que passa naquele ponto. Vai para onde eu vou. É esse mesmo.
Tudo escuro, como a noite. E o meu passado. Motorista irresponsável, cobrador dormindo, clima agradável e o ônibus vazio. Como o meu corpo e os copos que desejava.
Poucas pessoas. Podia ouvir um rapaz escutando música por meio do fone. As conversas alheias, interessei-me por uma, a mulher, aparentemente 30 anos, reclamava a outra sobre o marido não dar atenção. A outra respondia que tudo havia de melhorar. Pensei em dizer para que conversassem sobre o assunto. Ou para divorciar, mais rápido e prático e ela teria o plus de receber pensão pelos filhos.
Porém, lá estavam duas jovens colegiais, 16 ou 17 anos. Eu acho. Fitei a da esquerda. Mais bonita, cabelo bonito, rosto bonito, meu número. Ela me viu. Cochichou com a outra moça, risos. "Falo ou não falo? Falo ou não falo? Acho que vou falar, mas já vou descer. Você fala com ele?" - ela disse, num tom agradável, doce. Tão doce quanto marshmallow. Fiquei parado, estático, ouvia vozes, como se estivesse em coma e com esquizofrênia, simultaneamente. Ela desceu, a outra não falou. Eu devia tê-la dito que não mordo nem arranco pedaço, ao menos, nunca senti vontade até então.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Amigos

Chega em casa, liga a tv, chama a Stella, os Jacks, o Johnnie, o Rondón e a Maria. Papearam e papearam, comentaram o filme que passava e discutiram um poema de Fernando Pessoa. Decidiram vaguear pelo bairro, terminaram no centro. Risadas, brigas, roubos e prostitutas. Já eram 3 da manhã, decidiram retornar, foram caminhando, já que não morava longe. "Não trabalho amanhã, que maravilha!" disse. Tomou banho, cambaleou e bateu a testa na quina. "Estou bêbado, que merda." Viu o Johnnie e foi reclamar, deu um soco e começou a chorar, seu amigo sangrava, limpou o sangue da mesa e viu que Jack estava muito mal, seu amigo pediu para que beijasse o machucado e tomasse todo o sangue, assim o fez. Os outros amigos viram toda a cena, e em ato similar, caíram, e começaram a sangrar, ele viu e ouviu todos tiveram o mesmo desejo de Johnnie. Agora ele estava sangrando, as mãos, os joelhos, os pés, o rosto, e sempre que passava a mão, piorava. Gritou, gritou e saiu correndo, sem perceber, foi para a sacada, onde caiu do 12º andar, morreu lá em baixo. Bêbado, coberto de sangue e sem amigos.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Planos de família feliz

Deito-me na cama, você já está dormindo. Fecho os olhos, viro pra esquerda, me encosto, estamos de conchinha agora. Teus cabelos são cheirosos, tua pele é macia, é boa essa sensação. Pego no sono rápido.
Eu te chamo pra sair, com a cara ruborizada pela vergonha, você aceita. Vamos ao teatro, depois jantar. Eu peço salmão, você, mais acatada, frango. Vinho do porto para tomar. Não tomo muito pois dirigirei. Te levo até em casa.
- Vamos nos ver de novo?
- É claro.
- Quando?
- Quando der.
Um mês se passou, estou eu a te ligar, dessa vez, vamos ver um filme.
- Em qual cinema?
- Na minha casa, por favor.
- Quer que eu leve o filme? Só escolher o gênero!
- Eu já aluguei, só chegar, pode ser as 20h?
- Confirmado, as 20h estarei ai.
Subo ao apartamento 33, está de vestido, cabelo solto, batom vermelho e lápis preto. Formosa, nunca vi mais linda.
Vimos o filme. Uma comédia sem graça. Tinha pipoca, não comemos. Eu segurei sua mão, você me abraçou, nos beijamos. O primeiro de muitos beijos.
Alguns meses mais tarde, iria me mudar pra outra cidade. Já tinha alugado o apartamento, trabalharia como jornalista. Sempre gostei do jornalismo.
O apartamento é médio, dá pra uma família viver, ou alguém com alguns muitos animais (e quero dizer, mais que 5 cachorros, por exemplo!)
Já estava no apartamento fazia uns 3 dias, decidi te ligar. Não atendeu, deixei mensagem, dizendo que era urgente. Você me ligou na manhã seguinte, eu não tenho horário, só tenho que fazer reportagens sobre música, cinema e cultura pop. Você, toda preocupada, perguntou o que era tão urgente. Respondi que me sentia muito só nessa cidade super povoada, cheia de pessoas solitárias, como eu e você, e perguntei se queria morar comigo, já que havia me dito que precisava de novos ares. Disse que sim. Uma semana depois estávamos debaixo do mesmo teto.
Um mês depois pedi-lhe em namoro, aceitaste. Fomos ao teatro e jantar, como da primeira vez.
Te arrumei emprego numa agência de modelos, como fotógrafa, não é este o teu sonho?
Moramos juntos por 5 anos, então, num dia de folga nossa, te vi acordando, eu via tv antes disso. Cabelos sujos, cara amarrotada, eu comecei a chorar, você se preocupou e perguntou o que aconteceu, te abracei e disse que te amava, você retornou o amor, foi o mais sincero que já havia dito. Pedi-lhe em casamento, aceitaste. Fomos ao teatro e jantar.
Casamo-nos, tivemos 2 filhos, ficamos juntos até morrer. Até você morrer.
Acordei chorando, você me olhou preocupada, "o que aconteceu?" Tive um sonho ruim, respondi. Vi sua cara amassada, o cabelo sujo, você me abraçou e disse que tudo ia ficar bem, eu lhe pedi em casamento, você aceitou.