sexta-feira, 31 de agosto de 2012

A musa e o troglodita

Dia desses estava indo trabalhar, de metrô, para ser mais exato. Com meu pai. Quantas vezes não fomos para nossos empregos com nossos progenitores? Pois bem, lá estávamos, ele sentado e dormindo, eu, de pé, no corredor, quando ela entrou.
Que beleza, que elegância, que porte! Altiva, carismática, bonita (para não dizer bela). Tinha cabelos longos, lisos e, como seus olhos, pretos. Vestido azul, de linho, meia preta, de seda, e usava sapatilhas azul. O mesmo azul do vestido, e ambos da cor do oceano, quando limpo. Boca em forma de coração, nariz adunco, ancas largas, busto mediano, 1,60 de altura e os olhos do Sartre. Parada na porta.
Próxima estação, Vila Matilde, um grupo de pessoas, civilizadamente como uma manada de elefantes, entrou. Chamemos atenção a um indivíduo, um gorila, um troglodita, em especial. Ele tomava a dianteira do grupo, como um líder, e empurrou minha Monalisa.
Direi, de forma sucinta, o que se procedeu. Ele a empurrou, por pouco ela não caiu. No ardor de sua raiva, a moça vociferou impropérios graciosos a senhora mãe do troglodita. Muito eloquente, ele urrava obscenidades, enquanto ela triplicava, com argumentos, questões sobre a sexualidade dele, a profissão da mãe e a origem da nobre família. Ela parecia o Fernando Pessoa das palavras chulas. O troglodita, urrava e exprobrava coisas (ou palavras, não sei) ininteligíveis.
Chegamos à Sé, todos nós descemos, ela voltou para o comboio que seguia em direção à Barra Funda, ele subiu as escadas e eu segui meu caminho até a Paulista. No fim, não sei quem era melhor: o troglodita líder da manada de elefantes, a poetisa dos xingamentos ou eu, que prestei atenção a tudo e não vi que meu pai tinha saído algumas estações antes.

domingo, 24 de junho de 2012

Conversa de rua

Tirei os últimos dias para pensar em nós. No que éramos e no que nos tornamos. Está tudo tão diferente. Diferente dos retratos que tiramos.
- Você está bem?
- Sim, e você?
- To bem também. E vejo que vai melhor sem mim.
Sei que nem lembra mais de mim, ao menos, aparenta isso. Eu, eu penso em você todo dia. E te desejo o bem. Vejo que está dando certo.
- Foi bom te encontrar, quanto tempo que não nos víamos?
- Muito tempo mesmo! Uns 6 meses... eu acho.
Você sabe onde eu moro, só aparecer, sempre faço mesa pra dois, nunca sei quando vai aparecer (se vai)! Podíamos tirar outra foto juntos, que acha?
- Vamos marcar de sair, botar a conversa em dia, que cê acha?
- Pode ser, mas você me conhece, não pode ser um lugar muito barulhento.
- Tudo bem, eu conheço um barzinho legal, umas 2 quadras daqui.
- Ok, você tem meu telefone, é o mesmo, só ligar.
- Qual é mesmo? Eu joguei fora, desculpa.
- Sem problema, é 4798-2197
- Tá anotado.
- Se quiser ir lá em casa, eu faço janta pra gente, como eu fazia.
- A gente combina direito
Você continua tão linda. Porra, você continua tão linda!
- Desculpa, mas estou atrasada, foi ótimo encontrar você!
- Devo dizer o mesmo, tchau, tenha um bom dia.
Teus olhos ainda me encantam, tua fala me agrada, ah, eu te amo. Você sabe, por que teve de ir? Se eu soubesse a falta que me faria, era melhor eu nem tê-la conhecido.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Ao amor, um brinde!

Aos cavalheiros, amem vossas damas como Romeu amou Julieta, defendam-na como Dom Quixote defendia o nome e a honra de Dulcinéia, deixe-as guiarem como Dante fora guiado por Beatriz, que se cuidem como Eugênio cuidava de Margarida, só não quero que terminem como Paulo e Virgínia, mas que o amor deles os embalem.
Feliz dia dos (e)namorados. E que essa data extenda-se para noivos, cônjuges, parceiros sexuais, e pessoas que vivem junto.

terça-feira, 29 de maio de 2012

A um velho amigo

Dia desses, ao sair do trabalho, lembrei que não faria nada no período noturno. Pensava apenas em chegar em casa. Pois bem, tantos caminhos a se fazer, decidi-me por me encontrar um velho amigo, segui feliz meu caminho até vê-lo.
Ah amigo, só tu sabes quantas histórias passamos juntos, tantos amores, tantos pensamentos, tantas estórias. Os bares viravam tavernas, os bairros tornavam-se vilas e os prédio, árvores. As pessoas eram apenas viandantes.
Ah amigo, se tu soubesses a falta que me causa, precisava respirar teus ares novamente. Não sinta-se velho, apesar de tua aparência, não o trocaria pelos outros, tu, és, ainda imponente perante outrem. Teu vermelho mostra toda sua bravura, que me leva a casa. E bom, tornou-se mais constante na minha nos primórdios de tempos atuais, porém, por um contratempo, findou-se nossos encontros, mas, prometo-lhe, que sempre que possível, irei ao teu encontro.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Sem título

Existem os homens bons, e os que são como eu, que, (in)felizmente, nunca tive o (des)prazer de conhecer.
Os homens bons amam quando estão apaixonados, choram quando têm de chorar, (sor)riem quando estão felizes e sofrem quando algo ruim acontece.
E os homens como eu, sofrem quando estão apaixonados, porque sabem que decepcionarão o ser amado; sofrem quando têm de chorar, pois lágrimas não caem de seus olhos; sofrem quando estão felizes, pelo fato de ser um (sor)riso falso e sofrem quando algo ruim acomete-lhes, porque isso é o que acontece a todos.

sábado, 5 de maio de 2012

Ph.D


PhD em decepção. Decepcionava a tudo e a todos com maestria. O fazia como arte, de tão natural, parecia um dom divino.
- Diga-me um defeito teu.
- Sou bom em decepcionar. Melhor. Sou ótimo nessa arte!
Decepcionava tanto que a própria Decepção decepcionou-se com ele.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Diário de bordo, dia 8.619

Ah Lua, companheira dos navegantes solitários, ah Lua, se tu soubesses. Se apenas tu soubesses como dói. E ainda a reflete. Ah Lua, tu me fazes chorar, e é bom. Queria que a máxima "em cada porto, um amor" fosse real. Nesse mar de lágrimas, o único amor que possuo é o teu, Lua, e o dela. Se ela soubesse que a amo.
Ah Lua, tu tens aos navegantes perdidos, aos marujos nos portos, as moças de boa família, e as estrelas, que dançam e cantam, enquanto tu refletes o rosto do ser amado de cada um. Ah Lua, tão minha, tão minha. Minha Beatriz. Guia-me até o porto que ela reside, para que não tenha mais que velejar, e tornar esse mar infindável, infinito. Eu queria morrer, porém, não a teria nem a ti, Lua. Essa é uma das duas coisas ruins de morrer. A outra, só morremos uma vez. Ao morrer, não há dor, problemas, e outras maleficidades. Não há nada. Ah Lua, conta pra mim, por favor, onde minha Beatriz está.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Domingo, família e uma vida infeliz

Domingo, 13 horas, prova para concurso público, para a Caixa Econômica Federal. Foda-se essa porra. Sonho dos pais vê-lo trabalhando num banco, na prefeitura ou em qualquer outro local público. Sonho de qualquer um. Menos o dele. Ele quer que tudo se foda.
Português, matemática, ética, jurisprudência bancária. Pergunta 1, 2, 15, vai respondendo, uma a uma. Ela aparece em seus raciocínios lógicos. "Sai daí caralho!" - ele pensa. Ela sai, e o leva consigo. Ela, eu, uma imensidão azul escuro, a lua iluminando-os, as estrelas irradiando amores, e os corpos interligados pelas mãos dadas. Ela conta estrelas enquanto ele conta que a ama.
Pergunta 41, selic, cetip, Banco do Brasil, a galega aparece novamente, dançando, cantando e recitando os poemas que ele gosta. A cena mais linda. E nunca vai acontecer.
"Ele vai passar, tenho certeza" - diz o pai. O orgulho da família, o sonho da família, passar no concurso público. Emprego estável, salário bom, convênio médio que todos desejam. Fica 5 anos e pede demissão.
- Como foi o trabalho hoje?
- Foi ótimo!
- Foi promovido filho? Conseguiu aquele curso que tanto queria? O que aconteceu?
- Melhor que tudo isso. Pedi demissão!
- Você o que?
- Pedi demissão.
- Você é imbecil? É retardado? Nunca mais terá uma chance como essa! Vai trabalhar com o que agora? Imbecil!
- Vou fazer o que sempre quis. Não gosto de trabalhar de terno, cabelo curto e barba aparada. Essa coisa certinha não combina comigo. Eu gosto é do estrago, da incerteza. Eu vou viver meu sonho, não o seu.
Saiu, se fodeu e viveu a vida que sempre quis. Sem ela, que ainda corria por seus pensamentos.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Vesânia Sentimental (sketch)

A multidão é um monstro sem rosto e coração. Você é parte dela. Você tem medo dela. Você quer amor, acha ódio. A gente se odeia e faz sentido viver assim.

Procura novos amigos, só acha os velhos. Jack D., Johnnie W., Stella A., Jack M. e o Velho Barreiro. Procura amor, só tem amor próprio. Amor próprio agora é suicídio. Suicídio não é opção. Mas quem se importa, ninguém nunca se importou.

Olha as fotos dela nos porta-retratos vazios. Não tinha fotos, pois assim poderia imaginar qualquer momento de sua miserável vida neles. Sabia que não voltaria, ainda assim, punha mesa para dois, mesmo estando sozinho. Quem sabe você não resolve aparecer. A porta está aberta para você, como já deve saber. Eu vejo suas fotos, está tão melhor sem mim que eu fico feliz em te ver assim. De nós dois não restaram ninguém.

Enquanto faço isso, vou te apagando aos poucos, te subtraindo ao nada. Porque eu não sei falar do ser amado, eu só sei fazê-lo divindade. Botei você num pedestal. E só quando não a possuía mais percebi que era imperfeita, assim como eu, e então, percebi que era humana, em todos os sentidos da palavra.

Via seu rosto na multidão, ouvia sua voz quando sussurrava. Era amor, e não era platônico, como os outros. Invadia cada lugar que eu ia. Sentia seu cheiro na minha roupa, e era só o amaciante, o perfume. Estava no bar, no taxi e nas esquinas, durante o dia, durante a noite. Encontrava drogados, bêbados, ladrões, prostitutas, jovens, mendigos e homens falidos. Eu via todos, e você tinha um pouco de cada. É isso que a cidade te oferece. É isso o que você tem a oferecer.

Já amou? Quando digo amar, que não seja seus familiares nem seus amigos ou seu dinheiro. Já sentiu-se só? Pensou em suicídio alguma vez? Ou parou para conversar com seus parentes e amigos sobre esses assuntos?

terça-feira, 27 de março de 2012

Ônibus

Como alguns sabem, estou fazendo universidade, e como parte do curso, farei alguns textos, e os publicarei aqui. Já fiz isso, com o "Números Obsoletos", agora, mais um.

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Terça-feira, 19h, aparece o ônibus. O único vermelho que passa naquele ponto. Vai para onde eu vou. É esse mesmo.
Tudo escuro, como a noite. E o meu passado. Motorista irresponsável, cobrador dormindo, clima agradável e o ônibus vazio. Como o meu corpo e os copos que desejava.
Poucas pessoas. Podia ouvir um rapaz escutando música por meio do fone. As conversas alheias, interessei-me por uma, a mulher, aparentemente 30 anos, reclamava a outra sobre o marido não dar atenção. A outra respondia que tudo havia de melhorar. Pensei em dizer para que conversassem sobre o assunto. Ou para divorciar, mais rápido e prático e ela teria o plus de receber pensão pelos filhos.
Porém, lá estavam duas jovens colegiais, 16 ou 17 anos. Eu acho. Fitei a da esquerda. Mais bonita, cabelo bonito, rosto bonito, meu número. Ela me viu. Cochichou com a outra moça, risos. "Falo ou não falo? Falo ou não falo? Acho que vou falar, mas já vou descer. Você fala com ele?" - ela disse, num tom agradável, doce. Tão doce quanto marshmallow. Fiquei parado, estático, ouvia vozes, como se estivesse em coma e com esquizofrênia, simultaneamente. Ela desceu, a outra não falou. Eu devia tê-la dito que não mordo nem arranco pedaço, ao menos, nunca senti vontade até então.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Amigos

Chega em casa, liga a tv, chama a Stella, os Jacks, o Johnnie, o Rondón e a Maria. Papearam e papearam, comentaram o filme que passava e discutiram um poema de Fernando Pessoa. Decidiram vaguear pelo bairro, terminaram no centro. Risadas, brigas, roubos e prostitutas. Já eram 3 da manhã, decidiram retornar, foram caminhando, já que não morava longe. "Não trabalho amanhã, que maravilha!" disse. Tomou banho, cambaleou e bateu a testa na quina. "Estou bêbado, que merda." Viu o Johnnie e foi reclamar, deu um soco e começou a chorar, seu amigo sangrava, limpou o sangue da mesa e viu que Jack estava muito mal, seu amigo pediu para que beijasse o machucado e tomasse todo o sangue, assim o fez. Os outros amigos viram toda a cena, e em ato similar, caíram, e começaram a sangrar, ele viu e ouviu todos tiveram o mesmo desejo de Johnnie. Agora ele estava sangrando, as mãos, os joelhos, os pés, o rosto, e sempre que passava a mão, piorava. Gritou, gritou e saiu correndo, sem perceber, foi para a sacada, onde caiu do 12º andar, morreu lá em baixo. Bêbado, coberto de sangue e sem amigos.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Planos de família feliz

Deito-me na cama, você já está dormindo. Fecho os olhos, viro pra esquerda, me encosto, estamos de conchinha agora. Teus cabelos são cheirosos, tua pele é macia, é boa essa sensação. Pego no sono rápido.
Eu te chamo pra sair, com a cara ruborizada pela vergonha, você aceita. Vamos ao teatro, depois jantar. Eu peço salmão, você, mais acatada, frango. Vinho do porto para tomar. Não tomo muito pois dirigirei. Te levo até em casa.
- Vamos nos ver de novo?
- É claro.
- Quando?
- Quando der.
Um mês se passou, estou eu a te ligar, dessa vez, vamos ver um filme.
- Em qual cinema?
- Na minha casa, por favor.
- Quer que eu leve o filme? Só escolher o gênero!
- Eu já aluguei, só chegar, pode ser as 20h?
- Confirmado, as 20h estarei ai.
Subo ao apartamento 33, está de vestido, cabelo solto, batom vermelho e lápis preto. Formosa, nunca vi mais linda.
Vimos o filme. Uma comédia sem graça. Tinha pipoca, não comemos. Eu segurei sua mão, você me abraçou, nos beijamos. O primeiro de muitos beijos.
Alguns meses mais tarde, iria me mudar pra outra cidade. Já tinha alugado o apartamento, trabalharia como jornalista. Sempre gostei do jornalismo.
O apartamento é médio, dá pra uma família viver, ou alguém com alguns muitos animais (e quero dizer, mais que 5 cachorros, por exemplo!)
Já estava no apartamento fazia uns 3 dias, decidi te ligar. Não atendeu, deixei mensagem, dizendo que era urgente. Você me ligou na manhã seguinte, eu não tenho horário, só tenho que fazer reportagens sobre música, cinema e cultura pop. Você, toda preocupada, perguntou o que era tão urgente. Respondi que me sentia muito só nessa cidade super povoada, cheia de pessoas solitárias, como eu e você, e perguntei se queria morar comigo, já que havia me dito que precisava de novos ares. Disse que sim. Uma semana depois estávamos debaixo do mesmo teto.
Um mês depois pedi-lhe em namoro, aceitaste. Fomos ao teatro e jantar, como da primeira vez.
Te arrumei emprego numa agência de modelos, como fotógrafa, não é este o teu sonho?
Moramos juntos por 5 anos, então, num dia de folga nossa, te vi acordando, eu via tv antes disso. Cabelos sujos, cara amarrotada, eu comecei a chorar, você se preocupou e perguntou o que aconteceu, te abracei e disse que te amava, você retornou o amor, foi o mais sincero que já havia dito. Pedi-lhe em casamento, aceitaste. Fomos ao teatro e jantar.
Casamo-nos, tivemos 2 filhos, ficamos juntos até morrer. Até você morrer.
Acordei chorando, você me olhou preocupada, "o que aconteceu?" Tive um sonho ruim, respondi. Vi sua cara amassada, o cabelo sujo, você me abraçou e disse que tudo ia ficar bem, eu lhe pedi em casamento, você aceitou.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Números Obsoletos

18h30: Pedro despede-se dos colegas de escritório, desce ao subsolo pela escada. É o único exercício que fazia em seu dia-a-dia. Subia e descia escadas, no trabalho, no edifício onde mora, no shopping center onde almoça. Trabalha no 6º andar do edifício Rochaverá, na Avenida Doutor Chucri Zaidan. Pedro chega ao subsolo, anda até seu velho Impala, de 1968, herdado de seu falecido pai.

18h55: Pedro está na Avenida Ibirapuera, não passou por nenhuma avenida, pois sabia que iria pegar trânsito ao chegar onde estava. Ouviu no rádio que até a Avenida Indianópolis o trânsito fluía bem. Assim que ouviu o que desejava, botou o cd do Bob Dylan, que seu primo trouxera dos Estados Unidos para ele.

19h05: Começa a chover, ironicamente, começa a tocar “A Hard Rain’s A Gonna Fall”. O rapaz está em dúvida se entra na Avenida 23 de Maio ou na Rua Sena Madureira.

19h10: Está próximo à Avenida Lins de Vasconcelos. Cansou do Bob Dylan. “Dylan, não sei como dizer, mas eu vou te trocar pelo Stiff Little Fingers“ disse. Andou mais um pouco e viu uma ambulância, um aglomerado de pessoas, alguns carros de polícia e um motociclista acidentado. “Aumento de 500% nos acidentes de motociclistas, nos últimos 11 anos. Um aumento de 2.285% na taxa de óbitos entre 1996 e 2010, passando de 64 para 1.527, sendo 3 mulheres em 1996 e 139, em 2010, um aumento de, estrondosos, 4.533%” pensou. Que coisa triste, mas são dados. Dados do Ministério da Saúde. “Espero que o coitado não tenha sofrido nada grave. E que achem o culpado pela queda dele. Mas ele bem podia ter caído sozinho, ao fazer uma curva mal feita. Eu mesmo quase bati o carro ali uma vez.”

19h20: Muito próximo à Avenida Coronel Diogo, outra dúvida, não sabia se entrava na Avenida e ia até Avenida Dom Pedro I, depois até Avenida do Estado e entrar na Avenida Celso Garcia, ou seguia pela Lins de Vasconcelos, onde entrará na Rua da Independência, seguiria por ela até a Rua Dona Ana Néri, prosseguia nela para chegar na Avenida Alcântara Machado. Decidiu-se pelo segundo caminho.

20h: Chegou à Avenida tanto desejada. Um trânsito moroso sentido bairro. Havia colocado o cd “The Shape Of Punk To Come” do Refused, o último gravado, um dos seus favoritos da banda, e da vida. Outro acidente. Outro motociclista. Este, próximo a saída para a Rua da Mooca. “As pessoas bem podiam parar de reclamar que motoqueiro não respeita, que são foras-da-lei. Pra mim, fora-da-lei é bandido, estuprador, sequestrador, assassino, não motoqueiro. Tá certo que eles não andam na faixa, como prevê o código penal, mas ninguém fiscaliza isso, tornou-se rotina vê-los nos corredores de carro. E os motoristas de carro, ônibus e caminhão deveriam olhar pelo retrovisor e pelos retrovisores laterais. Se cada um fizesse sua parte, não bebesse, cumprisse o que está no manual do condutor, o trânsito seria funcional. Estabelecesse um limite de velocidade nas vias, pessoas conscientizariam-se dele e não mais teremos placas de velocidade, e o mesmo para rodovias. Tudo seria melhor. Mas o trânsito mata mais que arma de fogo de alguns países que vivem em guerra. Triste realidade. Triste.”

20h30: Nosso herói chega a Avenida Salim Farah Maluf, onde prosseguirá até a Rua Demétrio Ribeiro, que seguidamente muda de nome para Rua Itapeti, onde continua até a Rua Itapura, e de lá, segue até seu apartamento. No máximo, em 20 minutos eu chego. – disse em voz alta.

21h: Chegou em casa há 10 minutos. Subiu para o apartamento 33, foi ver se os filhos estavam dormindo e perguntar da escola para a ex-esposa. Logo subiu para o apartamento 41, o seu. Havia descascado a cebola, o alho e cortado a cenoura. Iria preparar um arroz a grega. Ligou a tv, e pôs no noticiário. Tomou uma dose de tequila, precisava sentir sua garganta queimar.

21h30: Jantar preparado. Arroz a grega, salada e frango ensopado, que a empregada tinha feito para seu almoço. A empregada sempre fazia comida a mais, para que ele jantasse. Ouviu a notícia sobre o acidente da Avenida Lins de Vasconcelos, o rapaz morreu na ambulância. “Coitado, mas é pior para a família. Talvez ele fosse filho único, talvez fosse pai de família, talvez estivesse saindo do trabalho para levar o pai que sofreu um derrame, ai seriam duas tragédias familiares. Quem sabe o que teria acontecido se ele estivesse olhado antes de entrar? Quem sabe um motorista que odeia motociclistas resolveu atropelá-lo só para massagear o ego? As respostas pouco interessam agora, é só mais um número para as estatísticas.” Desligou a tv, botou o prato no micro-ondas e foi dormir.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Crônica da meia-noite.

Foi para o bar. Não encontrou amigos. O garçom avistou-o:
- Que desejas?
- O de sempre.
Pôs, na frente dele, uma dose de solidão.
- Quer saber, misture uma dose de cada um desses que eu pedir, e dê-me em um copo maior. Ou numa taça, para ser mais poético.
- O que o senhor deseja então?
- Melancolia, angústia, raiva, ódio, traição, falsidade, mágoa, amargura, rancor...
- Dor também?
- Por favor. Acho que já está bom, qualquer coisa, peço novamente.
O garçom, cuidadosamente, pegava as garrafas, uma a uma, e mostrava-a. Feito isso, pegou a coqueteleira, pôs as doses, novamente, uma a uma, fechou e misturou. Pôs numa taça de vinho tinto, encheu três quartos. Segurou a taça, mirou seu conteúdo como um assassino mira sua vítima, com orgulho. Engoliu tudo em um gole.
Levantou-se e foi embora, antes do garçom dizer que tinha que pagar, avisou-o que voltaria mais tarde, para não se preocupar. Saiu, virou à esquerda, um rapaz o puxou para um beco, e assustado, disse-lhe
- Você não deveria ir lá. Eu sei. Eu sei. É perigoso, você vai se matar. Vai se matar, eu sei, eu sei.
- Sai daqui verme moribundo ambulante. A vida é minha, faço o que quiser.
- Você vai se machucar. Você vai machucar quem te ama. Você vai morrer, eu sei. Eu sei
Assustado, pensou em voltar ao bar, pensou em seguir seu caminho, pensou em vaguear, por fim, acendeu seu cigarro. Um trago, uma lágrima, uma nota perdida. Outro trago, outro arroto, outro dia de derrota. Mais um trago, mais uma decepção, mais uma noite solitária. Viu um bordel. Decidiu-se adentrar.
Entrou, viu as dançarinas. Duas sentaram-se ao seu lado, enquanto uma terceira sentava em seu colo.
- Oi amor, meu nome é Culpa, acho que você tá precisando de mim agora!
- Sai daqui Culpa, ele tá precisando é de Ressentimento, ou seja, eu!
- Fora vocês duas, suas vadias. Eu sou o que ele precisa, meu nome é Felicidade.
- Pensando bem, eu preciso das 3, podemos ir para o quarto?
As três, em coro uníssono, gritaram
- Claro!
E lá se foram os 4, para a suíte. Ficaram, mais ou menos, uma hora lá dentro. E só se ouvia os gemidos. Saiu de lá por volta da meia noite. A melhor transa que tivera. A melhor transa que tivera em tempos. Voltou ao bar.
- Ainda bem que não encontrei aquele mendigo maldito pelo caminho!
- Que?
- Nada, lembra da mistura que pedi, faça outra, por favor.
- É pra já, senhor.
O ritual seguiu a ordem. Tomou, desta vez, em alguns goles. Alguns goles intercalados por um cigarro que acendera.
Enquanto isso se desenrolava, o mendigo adentrou ao bar, mas só o observou de longe. Um gole, um trago, uma música pedida. Pedia, sempre, aquela música da nota perdida. Aquela música da noite perdida. Aquela música da vida perdida.
Começou a suar frio, sentiu sua consciência pesar, quebrou o copo na mão. Caiu. Sangrou. Ninguém disse nada. A banda tocou a marcha fúnebre. E o mendigo quebrou o silêncio.
- Eu avisei que ia morrer. Eu avisei, eu sei, eu sei. Eu tentei te impedir, mas você não quis. Mas você não quis. Eu sei, eu sei. Só para avisar, meu nome...
- Qual seu nome?
- Meu nome? Eu não me lembro.
- Sai daqui vagabundo.
- Eu devo estar embriagado, deixa eu fumar.
- Não, sai daqui vadio.
- Estou me lembrando, meu nome é Amor Próprio. É, Amor Próprio!
Pegou um cigarro e o acendeu, enquanto a alma do corpo que a pouco jazia, ascendia às estrelas.